quinta-feira, 4 de junho de 2009

Escola e assistência não afastam crianças do trabalho infantil

Pesquisa aponta que maioria (98%) das crianças e adolescentes entrevistados em 17 municípios paulistas frequentava escola e também recebia alguma ajuda de organizações sociais. Mesmo assim, 67% estavam trabalhando

Por Bianca Pyl

Dados da pesquisa Retratos do Trabalho Infantil apontam que medidas de combate ao trabalho infantil não têm sido suficientes para enfrentar o problema. O levantamento constatou que quase todas as crianças e os adolescentes entrevistados (98%) em 17 municípios de São Paulo estavam na escola e eram atendidos de alguma forma por organizações sociais (governamentais e não-governamentais). Mesmo assim, 67% dos entrevistados estavam se dedicando a algum tipo de trabalho.

Do universo pesquisado, outros 20,8% de crianças e adolescentes estariam em condições vulneráveis à inserção no trabalho. Essa vulnerabilidade é caracterizada por algumas constatações como: a de que as crianças e adolescentes já trabalharam alguma vez no passado, a de que elas têm irmãos menores de 16 anos trabalhando e a de que elas vivem em famílias grandes, nas quais muitos dependem da renda de poucos.

Apenas 12,2% do público infantil consultado não trabalhavam e não faziam parte desse grupo vulnerável. Também foi aferido que quase todas as famílias das crianças entrevistadas mantinham contato e acionavam as instâncias dos programas de assistência social e de transferência de renda.

De acordo com o trabalho, a ação de programas e informações de prevenção e combate ao trabalho infantil "ainda não é suficientemente articulada e eficaz". "Apesar das contribuições das famílias, das escolas e entidades sociais, cuja relevância é inquestionável, há ainda um contingente bastante considerável de crianças e adolescentes submetidos a índices elevados de vulnerabilidade social – sendo alguns desses casos dramáticos, o que demanda esforços de ampliação, qualificação e articulação dos serviços de proteção social atualmente existentes", emenda o texto que acompanha os dados.

O estudo, realizado pela organização não-governamental (ONG) Ação Educativa - a pedido da Fundação Telefônica - ouviu mais de cinco mil crianças e adolescentes em território paulista, entre 2007 e 2008. A distribuição por gênero dos entrevistados foi de 56,8% de meninos e 43,2% de meninas.

"A pesquisa levantou questões que apontam a necessidades de um aperfeiçoamento das ações que combatem o problema. O fato de estar na escola e receber assistência de programas sociais não é suficiente. E mostra que é necessária uma complementação do combate, envolvendo a família inteira", avalia Sérgio Mindlin, presidente da Fundação Telefônica.

A questão do "valor social" do trabalho é abordada no estudo por Renato Mendes, da Organização Internacional do Trabalho (OIT). Para ele, apesar das políticas compensatórias para aumentar a renda familiar, "o trabalho infantil ainda persiste". "E por que persiste? Porque culturalmente o trabalho ainda é um valor para a educação da criança. Além do elemento pobreza, há um elemento cultural de que o trabalho é um valor social, é bom para a socialização de crianças e adolescentes".

"Dada a forma de atuação das escolas católicas no país, isso ficou muito impregnado na consciência da opinião pública brasileira, a idéia de que a única via de socialização de uma criança e de um adolescente era por via do
trabalho e não por via do esporte, do lazer, da educação etc. Priorizou-se o trabalho e está difícil de erradicar essa cultura arraigada, especialmente quando se trata do filho do outro, e do filho do outro pobre”, emenda.

No estado de São Paulo, em um universo de mais de 8 milhões de crianças e adolescentes de 5 a 17 anos, mais de 640 mil estão ocupadas em situação de trabalho (7%). Mais de 10% dos registros de trabalho infantil do país inteiro estão no Estado de São Paulo, que juntamente com Minas Gerais e Bahia, representa cerca de 40% do total de trabalho infantil no país.

Entre as crianças e adolescentes que trabalham, 92% exercem atividades essencialmente urbanas, enquanto 7% estão em atividade agrícola, segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) de 2007, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

A maior parte (53%) trabalha em situação de rua, na qual a forma de ocupação predominante é a coleta de material reciclável (77,9%). Já o trabalho doméstico na própria casa ocupa 20% das crianças e adolescentes do país. O trabalho para terceiros representa 7,6%.

Em casa, na rua...
No Brasil, ainda não há um consenso sobre o conceito do trabalho doméstico executado por crianças e adolescentes. "Para realizar a pesquisa, nós consideramos trabalho doméstico aquele que combina três atividades: limpar a casa, preparar a comida e cuidar dos irmãos de segunda a sexta-feira", define Sérgio Mindlin. Para o IBGE, a atividade doméstica na própria casa não é trabalho porque não é remunerado.

O levantamento encomendado pea Fundação Telefônica mostrou que essa ocupação é predominantemente feminina (57,9%). Do total de crianças e adolescentes que executam atividades domésticas, 53% tem entre 10 e 13 anos. Os dados também apontam que meninas e meninos que se dedicam ao trabalho doméstico moram em casas com maior número de pessoas.

"Ao ocupar parte significativa do tempo das crianças e dos adolescentes, essas atividades causam prejuízos no desenvolvimento e podem ter efeitos tão danosos quanto os de outros tipos de trabalho", explica Sérgio Mindlin.

O novo estudo sobre trabalho infantil mostrou ainda que as atividades na rua são exercidas, majoritariamente, por crianças com idades entre 5 e 9 anos (54%). As crianças e adolescentes iniciam o trabalho de coleta de materiais recicláveis quando vão acompanhar os pais, mas depois passam a trabalhar sozinhos, aponta o levantamento. Os riscos desta atividade incluem: contaminação biológica e química, ferimentos e violência. O sexo masculino é maioria dos casos de trabalho infantil na rua (68%).

Dos que realizam trabalhos para terceiros, 27% ajudam o pai ou a mãe e 15% fazem trabalho doméstico. A menor ocorrência deste tipo de ocupação (7%) se deve aos esforços de prevenção e erradicação do trabalho infantil realizados nas últimas décadas, com fiscalização do poder público.

Na parte quantitativa, questões sobre tráfico de drogas e exploração sexual não foram abordadas. Porém, pesquisadores observaram, na fase qualitativa (entrevistas com as famílias), indícios do envolvimento com essas piores formas de trabalho infantil, de acordo com os conceitos da OIT.

O estudo conclui que essa inserção se deve ao contexto familiar. As crianças e adolescentes vivem muito próximas ao narcotráfico e de circuitos de prostituição porque alguns membros da família participam desses círculos.

Recursos e propostas
O orçamento de 2009 para o combate ao trabalho infantil, aprovado no Congresso Nacional, diminuiu 16% em relação ao ano anterior. Para 2009, estão previstos R$ 281,3 milhões. Em 2008, o Orçamento Geral da União apontava R$ 335,8 milhões para o desenvolvimento de ações de combate e prevenção do trabalho infantil.

Isa Oliveira, do Fórum Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil, propõe uma mudança de foco no tratamento da questão no depoimento coletado pelo estudo. Ela defende, entre outras medidas, a articulação dos programas de transferência de renda já existentes com a educação em tempo integral. "Não basta apenas colocar na escola, é preciso uma perspectiva muito maior do que é direito das crianças, que envolve, além da escolarização, o acesso à prática esportiva e cultural, à saúde".

"Além disso, é preciso articular os programas educativos, escolares ou não escolares, com políticas de atendimento à família e de inclusão produtiva,
para que elas não fiquem na dependência permanente da transferência de renda", emenda Isa de Oliveira. "O Brasil tem de mudar o foco do assistencialismo para a promoção de cidadania. Não basta atender as crianças. É preciso investir na melhoria da escolarização dos adultos, particularmente das mães, pois vários estudos indicam claramente que quando a mãe tem maior escolaridade, ela protege os filhos, não só da exploração do trabalho infantil, como também de outras violências".

Na visão dela (captada pela publicação), o investimento na qualidade dos programas de educação complementar são imprescindíveis, pois "sem parâmetros pedagógicos definidos, vamos confirmar o que temos assistido de 2001 para cá, ou seja, o trabalho infantil vem se reduzindo muito lentamente, com momentos até de elevação, como se deu em 2006".

A pesquisa Retratos do Trabalho Infantil foi realizada com crianças e adolescentes que participam de 21 projetos sociais apoiados pelo Programa Pró-Menino - Combate ao Trabalho Infantil - sendo 62% organizações não-governamentais (ONGs) e 38% órgãos do poder público municipal.

A maioria das instituições (12) é do interior paulista: Campinas, Ribeirão Preto, Araçatuba, Mococa, Guairá, Hortolândia, Bebedouro, Espírito Santo do Pinhal, Bauru, Ourinhos, Sumaré e Várzea Paulista. Duas estão no litoral, em Santos e em São Vicente. Na região metropolitana, há projetos em Embu, Guarulhos e Diadema. Há município com mais de um projeto da Fundação.

terça-feira, 2 de junho de 2009

ONG ensina famílias pobres como educar os filhos


Instituto Rukha ajuda mães de crianças que pedem dinheiro nos faróis a refletir sobre a educação que dão a seus filhos. E a mudá-la

ana aranha
Marcelo Min
MUDANÇA
Sandra, no beliche, com os três filhos. Antes, a casa funcionava como depósito de lixo. Agora, é local de estudo

Priscila e Sandra nasceram, cresceram e estão criando seus filhos no Jardim Ângela, periferia de São Paulo. Foi lá que aprenderam (e agora estão tentando desaprender) lições que marcaram seu passado. E que podem moldar o futuro de seus filhos. Os nomes que aparecem nesta reportagem são fictícios, para preservar a identidade das famílias.

Quando tinha 10 anos, Priscila aprendeu: criança que fica jogando queimada em vez de lavar a louça leva surra até ficar roxa. No dia seguinte em que isso aconteceu, ela fugiu de casa. Na rua, aprendeu que criança pode ganhar um bom dinheiro no farol se fizer cara de fome e sono. Sandra foi criada por uma família que lhe ensinou: criança obedece sem reclamar. Ela foi dada pela mãe biológica quando tinha apenas 26 dias e criada como escrava doméstica. Nesse tempo, aprendeu que uma menina sozinha pode lavar e cozinhar para uma família inteira. E que é normal bater numa criança que faz o serviço da casa.

Quando Priscila e Sandra viraram mães, a primeira aos 16 anos e a segunda aos 20, aplicaram à educação de seus filhos esses ensinamentos. Os três meninos mais velhos de Priscila (são seis ao todo) apanhavam até quando insistiam por um carinho da mãe. Um por um, foram fugindo de casa. Quando voltaram, encontraram a mãe desempregada e solteira. O jeito foi começar a pedir dinheiro no farol. Os filhos de Sandra (são três) cresceram ajudando a mãe a colher material reciclável no lixo. No começo do ano, Sandra queimou o braço da menina de 12 anos porque ela se recusou a arrumar a casa.

O futuro dessas crianças parecia determinado pela educação que suas mães receberam. Até que Priscila e Sandra foram convidadas a quebrar o ciclo. Elas aceitaram o desafio colocado pelo Instituto Rukha, organização não governamental que trabalha com 200 famílias em três bairros na Zona Sul da cidade de São Paulo: Jardim Ângela, Capão Redondo e Jardim São Luiz. Elas tiveram de tirar os filhos da rua e da reciclagem. Tiveram também de matriculá-los na escola e num curso de atividades complementares – como teatro ou futebol.

Da rua para a escola
Em dois anos e meio, a maior parte das crianças do projeto parou de trabalhar e voltou a estudar
94% deixaram de trabalhar
93% vão à escola
81% fazem atividades complementares como esporte ou música
Onde elas trabalham?
Há no Brasil 1,7 milhão de crianças de 5 a 14 anos trabalhando.
No Estado de São Paulo, a maior parte delas trabalha nos faróis
Revista Época

Para compensar a perda de renda, recebem R$ 350 por mês ao longo de quatro anos. Para que as mães reflitam sobre outras questões importantes para as crianças, como as punições, elas recebem a visita semanal de uma dupla de educadores. Eles tentam identificar os problemas e encaminhar soluções. Adicionalmente, Priscila foi indicada para o psicólogo da ONG, com quem passou a discutir a relação com os filhos. Não é obrigatório, mas a organização estimula que os pais terminem os estudos para fazer cursos profissionalizantes ou faculdade. Para isso, dão uma bolsa de R$ 150 para ajudar na mensalidade. O marido de Priscila entrou em um curso técnico de logística.

“A transformação é na intimidade da família. Um trabalho lento, de mudanças profundas”, diz o neuropsicanalista Yusaku Soussumi. Ele é dos um fundadores da ONG, seu principal formulador teórico e o responsável pelo nome – Rukha –, que significa sopro de vida na tradução do aramaico. A ideia de Soussumi é criar estímulos para mudanças no interior das famílias, por meio de mudanças na vida de seus integrantes, pais e filhos. Se Soussumi é o principal formulador da atividade da organização, o homem que a tornou possível foi o empresário Marcos de Moraes, doador dos US$ 10 milhões que permitiram criar e tocar a organização nos últimos três anos.

Depois de ver as crianças pedindo dinheiro na Avenida Faria Lima, Moraes se deu conta de que elas são a única ponte entre dois mundos que coexistem na mesma cidade. Filho de Olacyr de Moraes, o rei da soja, Marcos cresceu cercado de riqueza. Ficou conhecido por vender, em 1999, o portal de internet Zip.Net por mais de US$ 300 milhões. Bem antes disso, aos 23 anos, ficou chocado ao conhecer meninos de uma favela que não sabiam a própria idade. “Eles não tinham identidade”, diz. “Eu não sabia direito o que fazer, acabei investindo em cursos profissionalizantes.” De lá para cá, faz incursões por bairros pobres para descobrir como pode ajudar. Já pegou ônibus para chegar a favelas onde seu carro blindado não poderia entrar sem correr risco. Os seguranças, à paisana, foram junto. Discutindo essas questões com seu terapeuta, o neuropsicanalista Soussumi, eles resolveram fundar a ONG em março de 2005. Marcos entrou com o dinheiro, Soussumi entrou com a parte teórica.

Para participar do projeto, as mães têm de mostrar empenho na mudança. Priscila diz que sente sua pressão subir quando pensa em sua parcela de culpa pela situação atual dos filhos mais velhos. Ela tem três meninos, de 21, 19 e 18 anos, e três meninas, de 13, 10 e 8. Os meninos cresceram com uma mãe agressiva. “Achava que bater era certo. O pior dia foi quando quebrei um rodo na perna de um deles, que tinha 11 anos.” Depois que foram trabalhar na rua, os meninos começaram a usar maconha e cocaína, trabalharam para o tráfico e roubaram. Os três já passaram pela Fundação Casa (antiga Febem) e não trabalham.

Da Revista Época

http://revistaepoca.globo.com/Revista/Epoca/0,,EMI75249-15228,00-ONG+ENSINA+FAMILIAS+POBRES+COMO+EDUCAR+OS+FILHOS.html

segunda-feira, 1 de junho de 2009

Susan Boyle é internada em clínica psiquiátrica em Londres

01/06/2009 - 03h34

A escocesa Susan Boyle, que no sábado perdeu a final do programa de calouros Britain's Got Talent, foi internada neste domingo em uma clínica psiquiátrica em Londres, segundo relatos da mídia britânica.

Segundo o tablóide The Sun, a cantora foi internada na clínica Priory com exaustão. A Priory é famosa por tratar celebridades dependentes de drogas ou com crises de depressão.

A polícia metropolitana de Londres confirmou ter recebido um chamado por volta das 18h de domingo de médicos que atendiam uma mulher com uma crise psicológica em um hotel da capital.

Segundo a polícia, a mulher, cuja identidade não foi confirmada, entrou voluntariamente em uma ambulância para ser levada à clínica.

A pedido dos médicos, os policiais acompanharam a ambulância.

A clínica Priory disse não poder "confirmar nem negar os relatos" de que Susan Boyle se internou no local.

Celebridade mundial
A escocesa desempregada de 48 anos se tornou celebridade mundial após aparecer no programa de calouros há menos de dois meses. Os vídeos com sua apresentação foram vistos mais de 100 milhões de vezes no YouTube.

Apesar do favoritismo na final do programa, no último sábado, Susan Boyle ficou em segundo lugar, atrás do grupo de dança Diversity, que levou o prêmio de 100 mil libras (cerca de R$ 320 mil).

No domingo, os produtores do programa também haviam revelado que ela se isolaria por um tempo, seguindo ordens médicas.

Segundo um comunicado dos produtores, "após o programa do sábado, Susan está exausta e exaurida emocionalmente".

"Ela foi examinada pelo seu médico particular, que apóia sua decisão de tomar alguns dias para descansar e se recuperar. Nós oferecemos nosso apoio e desejamos a ela uma recuperação rápida", afirma o comunicado.

domingo, 31 de maio de 2009

Tartaruga Chinesa



Hoje é um bom dia para se agradecer.
Pela vida, pelo amanhecer, pelo entardecer, pelo anoitecer, pelo dormir e acordar na manhã seguinte, tudo é razão para se ter gratidão.
O que me fez refletir sobre isso foi a notícia que ouvi ontem a respeito da tartaruga mais velha do mundo que faleceu na China, nascida no século XVIII.
Isso mesmo. Essa anciã casca-dura, atravessou todo o século XVIII, o XIX, o XX e ainda viu cinco anos e três meses do século XXI.
Tá certo, tartarugas vivem muito mesmo, mas um quelônio, que passou sua vida inteira na água, vindo a terra apenas para desovar e voltar para a água (será que a água promove longevidade?) mostra o quanto esse ser foi realmente privilegiado.
Mas também precisamos levar em conta que as mesmas entraram num processo de ameaça de extinção no século passado.
Além do mais, esse país enfrentou invasões, conflitos internos, o Japão dominou-o, seu imperador foi destituído de seus poderes, o comunismo uniformizou-o, um estudante enfrentou sozinho um tanque, Mao-Tse-Tung abandonou a vida, a cultura renovou e pulou radicalmente de um pólo a outro, enfrentando os países capitalistas, ufa!Não é que a danadinha da velhinha resistiu a isso tudo?
Enquanto a ditosa senhora nadava, pescava, caminhava e procriava, caminheiros, cavaleiros, ciclistas em diversas épocas por ela passaram.
E o que a tartaruga tem a ver com isso tudo? Talvez não tenha nada a ver mesmo. Mas... e se fosse uma pessoa? Registraria tudo isso e muito mais. O cotidiano silencioso das donzelas que se espremiam em poderosos espartilhos para delinear suas cinturinhas de pilão, sendo que algumas delas chegaram a ponto de estraçalharem seus fígados, em busca da silhueta perfeita. E seus delicados pezinhos? Amarrados, bem apertadinhos para não crescerem demais, com a desculpa de que pés pequenos são delicados e bonitos em tamanquinhos, além de suas perninhas em vestimentas bem ajustadas para prenderem-se-lhes os movimentos e impedirem suas tentativas de fuga, sem esquecermos de mencionar aquelas covardemente assassinadas em tenra idade, muitas vezes por suas próprias mães que desejavam filhos homens, que produziriam riquezas para o país, para a família, e ainda guerreariam.
Quanto às inúteis mulheres sobreviventes, mesmo sendo exploradas em lavouras, carregando pesados fardos nos ombros, procriando guerreiros para a nação, servem para quê?
Mas era só uma tartaruga de aproximadamente 300 anos.
Agradeço à Mãe Natureza que a longevidade seja um privilégio só seu e não nosso, seu casco duro e sua capacidade de esconder-se dentro dele impediam-na de vislumbrar as atrocidades ali cometidas e seu cérebro minúsculo só lembrava o momento de cada atividade fisiológica, enfim, a perpetuação de sua espécie era seu único dever nesse mundo.
Vá em paz tartaruga, você cumpriu com louvor sua missão nessa terra de Deus.

3º mandato: Assunto encerrado?

Assunto encerrado

Esvaem-se os ensaios sobre 3º mandato e, com eles, o risco de dividir o país em aventura danosa para o jogo democrático

REFORÇAM-SE mutuamente os números, publicados nesta edição, da pesquisa Datafolha sobre a sucessão presidencial e sobre a tese de um eventual terceiro mandato para o presidente Lula.
Fruto bizarro, ao que tudo indica, dos interesses bajulatórios e do maquiavelismo rústico do baixo clero governista, a proposta da "re-reeleição" para o presidente petista não alcança, pelos dados da pesquisa, densidade suficiente para se impor.
Ao contrário: com 49% dos entrevistados contra a ideia, e 47% a seu favor, comprova-se acima de tudo o quanto haveria de arriscado na manobra.
A possibilidade de instituir-se uma fratura profunda de opiniões, em assunto diretamente ligado à estabilidade institucional, surge com clareza -e, do frio registro dos números às vicissitudes de um entrechoque real no debate público, certamente esse potencial divisivo tenderia a intensificar-se gravemente.
Note-se, aliás, a circunstância positiva de que os índices de popularidade do presidente Lula não se transferem automaticamente para o apoio a uma nova reeleição. Se 69% dos entrevistados consideram o seu governo ótimo ou bom -taxa que voltou a atingir níveis recordes-, é bem menor a proporção dos adeptos de uma nova candidatura seguida para o presidente.
O assunto, de qualquer modo, vai-se eclipsando no Legislativo. A proposta de emenda constitucional pela reeleição, de autoria do deputado Jackson Barreto (PMDB-SE), foi condenada pelas principais lideranças petistas. Inviabilizou-se, finalmente, depois de alguns parlamentares retirarem seu apoio ao projeto, que terminou sem o mínimo de assinaturas exigido para tramitar.
Enquanto isso, a pesquisa Datafolha assinala crescimento do nome de Dilma Rousseff, pré-candidata oficial do governo Lula à sucessão. Com 16% da preferência dos entrevistados -em contraste com os 3% obtidos em março do ano passado-, a ministra da Casa Civil se vê beneficiada pelos intensos esforços do presidente, que literalmente inventou a sua candidatura.
Não há sinal de que as notícias em torno do estado de saúde da ministra tenham pesado nos números. Pelos resultados do Datafolha, Dilma Rousseff se apresenta como candidata viável para as eleições de 2010, disputando com Ciro Gomes (PSB) e Heloisa Helena (PSOL) o posto de principal alternativa ao nome do tucano José Serra, primeiro colocado na pesquisa.
Num continente em que as instituições democráticas parecem cada vez mais ameaçadas pelo caudilhismo e pela tentação continuísta dos governantes, o Brasil tem-se mostrado capaz de manter as regras básicas do jogo político. Este não depende, para funcionar de forma livre, dos caprichos deste ou daquele líder, das chances deste ou daquele candidato, nem de circunstâncias acidentais que se interponham em trajetórias pessoais.
Dissipa-se o perigoso delírio do terceiro mandato; postulantes da situação e da oposição se preparam para a corrida sucessória; sem aventuras nem traumas, a democracia brasileira segue o seu curso.

Editorial da Folha de São Paulo de 31/05/09