sábado, 23 de maio de 2009

Quem diz e o que se diz (falas de especialistas)

I – Quanto ao agressor e quanto à vítima

“É um engano achar que só marido pobre bate no filho e na mulher (...) No início, atendíamos eminentemente pobres. Hoje, as classes média e alta representam metade dos nossos atendimentos.”
Fernanda Maria Amaral, psicóloga e coordenadora do Serviço de Psicologia Aplicada da Universidade Gama Filho/RJ, em IstoÉ, ed. 1812, reportagem de capa, seção Brasil, 30/06/04.

“A violência é tão corriqueira que muitos homens não a identificam. É uma geração que foi criada para não levar desaforo para casa.”
Fernando Acosta, psicólogo, em IstoÉ, ed. 1812, reportagem de capa, seção Brasil, 30/06/04.

“Em uma das oficinas com autores de violência, um participante falou: ‘olha, eu pratico violência, eu não quero praticar, só que não sei o que fazer com isso’. Um segundo acrescentou: ‘sou compulsivo em termos de violência contra a mulher, preciso de ajuda’. Outros homens demoram para reconhecer a agressão doméstica como violência, acham que violência é outra coisa, por exemplo, dar tiro na rua.”
Fernando Acosta, psicólogo

“Queremos que as mulheres se fortaleçam, saiam da posição de vitimização. E que os homens expressem suas fragilidades. Em geral, os homens não falam de seus sentimentos. Muitos consideram essa fala como sinal de falta de masculinidade. Trabalhamos com os homens, estimulando que eles reflitam acerca de suas fraquezas e seus impulsos. Queremos que eles se conscientizem de que há outras formas de resolução de conflito. Tentamos mostrar que a violência doméstica também é ruim para eles.”
“A violência doméstica contra a mulher prejudica toda a família. Sofrem os filhos, as filhas, os parentes próximos e até mesmo o autor da violência.”
Malvina Muszkat, psicóloga do Pró-Mulher, Família e Cidadania
“As pessoas precisam rever muitos valores. Por exemplo, há quem ache que violência contra as mulheres é legítima em certas situações. Isso precisa ser discutido. Toda violência é, por princípio, ilegítima.”
Simone Diniz, médica e coordenadora do Coletivo Feminista Sexualidade e Saúde
“A violência doméstica está associada com patologias reais. As mulheres em situação de violência tendem a apresentar problemas de saúde de diversos tipos, problemas mentais, depressão e até propensão ao suicídio. Elas também fazem menos papanicolaou, fazem menos sexo seguro.”
“Nossa aposta é que o serviço de saúde tenha mais consciência da violência doméstica e ajude a encaminhar as mulheres para outros serviços da rede de atenção. O serviço de saúde também pode ser um espaço de escuta e de acolhimento. Inclusive, essa escuta é boa para o próprio serviço, pois se a violência doméstica não se resolve vira um círculo vicioso: a mulher vai e volta.”
Ana Flávia P.L. d’Oliveira, pesquisadora do Departamento de Medicina Preventiva da Faculdade de Medicina da USP
“Só quando fica insuportável é que a mulher quebra a barreira do silêncio.”
Marta Rocha, delegada e presidente do Conselho da Mulher no Rio, em IstoÉ, ed. 1812, reportagem de capa, seção Brasil, 30/06/04.

“A lei é muito clara: para caracterizar violenta emoção, é preciso que o sujeito aja logo na seqüência de uma injusta provocação da vítima. Ou seja, no ato. E a realidade mostra que os crimes passionais são premeditados com bastante antecedência.”
“Os assassinos passionais premeditam o crime, são muito violentos e em 100% dos casos confessam à sociedade o que fizeram. Eles precisam mostrar que lavaram a honra.”
Luiza Nagib Eluf, procuradora de Justiça do Ministério Público de São Paulo e autora do livro A Paixão no Banco dos Réus.

“Para alguns (homens), a prática de atos cruéis é a única forma de se impor como homem.”
Alba Zaluar, antropóloga do Núcleo de Pesquisa das Violências na Universidade Estadual do Rio de Janeiro.


II. Quanto à desistência da vítima


“Chegam para a vítima e dizem para ela que é uma ação penal condicionada à representação. Você acha que ela, depois de ter sido violentada, tem condições de tomar uma decisão?”
Maria Amélia de Almeida Teles, da União de Mulheres de São Paulo.
“É o descrédito em relação a uma solução possível.”
Maria das Graças Pereira de Mello, presidente da Comissão da Mulher Advogada da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), sobre o fato de a vítima desistir de denunciar seu agressor ao perceber a morosidade da Justiça e da polícia.
“Precisamos erradicar todas as formas de violência contra a mulher, que hoje ainda sofre com a violência silenciosa, praticada na esfera doméstica.”
Luiz Flávio Borges D’Urso, presidente da OAB-SP.
“Além de aceitar como naturais algumas práticas de violência sexual, a sociedade tem medo de envolvimento no crime e não sabe que a denúncia pode ser anônima.”
Karina Figueiredo, vice-coordenadora do Cecria (Centro de Referência, Estudos e Ações sobre Crianças e Adolescentes).



Luta contra impunidade - Jornal de Brasília 31/05/07
Mariana Branco

Hoje deve ser um dia decisivo para as mulheres. O Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT) pode julgar recurso movido pela 2ª Promotoria Especial de Samambaia pedindo que seja cumprida a Lei 11.340/06, mais conhecida como Lei Maria da Penha, em homenagem a uma vítima da violência doméstica. A lei tipifica a violência contra a mulher e trata os agressores com rigor, mas tem havido arquivamento em excesso de processos, e a determinação de que uma ação judicial de lesão qualificada por violência doméstica pode ter início mesmo sem autorização da vítima não está sendo acatada pelos juizados especiais criminais.

De acordo com o promotor Fausto Rodrigues de Lima, da 2ª Promotoria Especial, até hoje não foi proferida nenhuma decisão nos Tribunais de Justiça de outras unidades da Federação sobre o assunto, apesar de, segundo Lima, apenas Pernambuco e Mato Grosso estarem cumprindo à risca a Lei Maria da Penha desde sua entrada em vigor, em setembro do ano passado. Portanto, qualquer que seja a sentença proferida hoje pelo TJDFT, ela será histórica.

Fausto Rodrigues de Lima, no entanto, acredita que a decisão será pelo cumprimento da lei. "Estamos confiantes na tradição humanística do TJ. É um assunto que envolve direitos fundamentais do ser humano. Coibir a violência contra a mulher é uma questão de interesse público", afirmou.

Segundo ele, quase todos os juízes e promotores continuam agindo com base na Lei 9.099/95, a Lei dos Juizados Especiais, nos casos de violência doméstica. Isso quer dizer que é exigido que as vítimas façam uma representação (autorizem o processo), mesmo em casos graves, como lesão corporal, ameaça e tentativa de homicídio.

Cultura da conciliação

"Nos juizados, há uma cultura de evitar ao máximo os processos e tentar a conciliação, mas na maioria dos casos de violência contra a mulher, isso não resolve. O agressor tem de saber que ele será punido", defende o promotor.

Lima diz, ainda, que a Lei Maria da Penha dá à vítima a opção de desistir do processo diante do juiz, mas que está havendo abuso desse recurso, inclusive em se tratando de crimes graves. "Há juízes marcando audiência para a vítima desistir de ação de lesão corporal. Tem de haver uma mudança de mentalidade", diz.

O promotor informa também que mais de 90% dos casos de violência doméstica são arquivados pela Justiça do DF.

Maus-tratos e ameaça de morte

Quando a história de amor com um comerciante se tornou um pesadelo, Mara (nome fictício), 37 anos, buscou ajuda das autoridades. Em nove anos de convivência foram seis queixas policiais, relatando violência, maus-tratos, ameaças e até uma ocasião em que seu ex-companheiro chegou a agredir a mãe dela. O ex-companheiro chegou a apontar uma arma para a cabeça de Mara. "Eu estava grávida do nosso filho e ele me ameaçou de morte", revolta-se.

Isolada na chácara onde o casal vivia, ela não conseguia contar seu drama a ninguém. "Eu vivia machucada, teve uma vez que fiquei com uns caroços na cabeça, onde ele havia arrancado os meus cabelos", conta, emocionando-se. As ocorrências registradas tinham efeitos variados. "Às vezes, ele se desculpava com presentes e promessas de que ia mudar", afirma. Em outras, continua, "ele me ameaçava de morte, caso eu não retirasse a queixa", lembra.

As brigas se tornaram mais freqüentes no último ano. Na maioria das vezes, ela ligava para a polícia quando estava sendo agredida. "Ele desligava o relógio de energia e fechava as portas. A polícia achava que já tínhamos dormido", revela.

Diante do aumento da violência do ex-companheiro, e das constantes agressões aos filhos do casal, ela decidiu registrar queixa e sair de casa com os pequenos. Pediu hospedagem na Casa Abrigo, onde vive há um mês com os filhos. No local onde se recupera do passado violento, Mara sonha com um recomeço, em outra cidade, junto da mãe e dos irmãos. "Não desejo mal a ele. Só quero viver em paz, com meus filhos", diz, enxugando as lágrimas. "Pretendo ensinar aos meus filhos o que é uma família de verdade, pois até agora eles não tiveram isso."
Vara específica para elas

A Lei Maria da Penha determina, entre outras medidas, a criação de varas especializadas em violência contra a mulher e, desde setembro do ano passado, o Distrito Federal conta com uma Vara de Violência Doméstica, que funciona no prédio do próprio Tribunal de Justiça do DF. Ela julga ocorrências de Brasília, Núcleo Bandeirante e Guará. Nas demais regiões administrativas, os casos são julgados pelos juizados especiais criminais.

Atualmente, cerca de 1,8 mil processos correm na Vara de Violência Doméstica do DF, e há uma média de 30 prisões apreciadas semanalmente. Para a delegada-chefe da Delegacia de Atendimento à Mulher (Deam), Sandra Gomes Melo, a presença de mais varas especializadas no Distrito Federal ajudaria a melhorar o nível de implementação da Lei Maria da Penha.

"A vara, até por ser exclusivamente voltada para isso, tem aplicado melhor a lei. Só este ano, acataram dez pedidos de prisão preventiva feitos pela Deam. Nos outros juizados, isso é mais difícil", informa a delegada Sandra Melo.

Serviço especializado

Quando uma denúncia é feita na Deam, ela é encaminhada às instâncias legais da área onde ocorreu. Qualquer delegacia comum pode registrar ocorrências de violência contra a mulher, mas a Deam oferece um serviço mais especializado. No ano passado, a unidade registrou 3.927 ocorrências, uma média de 10,7 por dia.

A maior parte das ocorrências, 2.180, foi de ameaças (55%). Em segundo lugar, ficaram as ocorrências de lesão corporal, que foram 1.217 (30,9%) e, em terceiro, as de ofensas e violência verbal, que foram 985 (25% do total).

Até 25 de abril deste ano foram registradas 1.158 ocorrências, mantendo-se a média de 10 por dia. Novamente, as ameaças foram as mais comuns (582, 50,2% do total), seguidas pelos registros de lesão corporal (401, 34,6% da totalidade) e pelos de ofensas verbais (279 ocorrências, 24% do total).

Menos reincidências

Sandra Melo afirma que, mesmo com as deficiências no cumprimento da Lei Maria da Penha, têm diminuído os casos de agressores reincidentes desde que ela entrou em vigor.

Entretanto, para Mirta Brasil Fraga, presidente do Conselho dos Direitos da Mulher no DF, o recuo da reincidência pode não ser, necessariamente, um dado positivo.

"É possível que as mulheres, sabendo que agora existem punições mais efetivas, estejam relutando em denunciar. Estamos pensando em organizar uma campanha de conscientização. Houve muita luta pela aprovação da Lei Maria da Penha, e o medo é uma maneira de invalidá-la", comenta.

Ponto final nas agressões

A vendedora Renata (nome fictício) 25 anos, também busca coragem para enfrentar um ex-parceiro violento. Há quatro anos namorando um policial, ela deciciu se casar com ele no início de 2005. No entanto, o relacionamento começou a dar sinais de problema. "Ele passou a demonstrar muito ciúme e me ameaçar", lembra a vendedora.

Com a chegada da primeira filha do casal, a situação piorou. O então companheiro não tinha paciência com o bebê e chegou a agredir a criança, quando ela tinha poucos dias de vida. "Ele chegou a dar um tapa na cabeça dela e reclamou dos meus cuidados com ela", emociona-se.

Uma crise de ciúme, com puxões de cabelo, tapas e empurrões foi a gota d´água. "Eu juntei umas coisas, peguei minha filha e fui para a casa de uma amiga", lembra Renata. Com medo de que o companheiro violento fosse persegui-la na casa da amiga, ela pediu apoio da Casa Abrigo. Há um mês, Renata vive no lugar à espera do processo em que pede uma pensão alimentícia para a filha. "Quero recomeçar minha vida bem longe dele", revolta-se.

Para fazer doações para a Casa de Abrigo, basta ligar para o Conselho de Defesa da Mulher: 3221-2280

---Publicado no Jornal de Brasília, 31/05/07.

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