sábado, 23 de maio de 2009

A respeito de retratação

Saudada como um dos maiores avanços da legislação brasileira por sua proposta despenalizante, ao introduzir importantes mudanças na política criminal brasileira, como a aplicação das penas não privativas de liberdade, a adoção de rito sumaríssimo, a possibilidade de aplicação da pena antes do oferecimento da acusação, a lei 9.099/95, representou verdadeira revolução no sistema processual brasileiro, desafogando o judiciário, emprestando-lhe maior celeridade. Segundo a melhor doutrina:

Para a maioria dos penalistas brasileiros a lei recepciona o paradigma da mínima intervenção penal traduzido pelo discurso da despenalização, ou da não aplicação da pena de prisão aos delitos menores. A Aplicação de penas consideradas alternativas ou substitutivas significa uma vitória do movimento criminológico moderno, que há muito vem demonstrando a falência da pena de prisão em todo o mundo, e em especial, nos países latino-americanos [07].

No entanto, não obstante uma consciente tentativa de acabar com a impunidade, deixou o legislador de priorizar a pessoa humana, preservar sua vida e sua integridade física, como salienta Maria Berenice Dias. Segundo a autora [08], o legislador, na ânsia de agilizar o procedimento, ao condicionar à representação da vítima as lesões corporais leves e as culposas, olvidou-se que não é possível condicionar a ação penal à iniciativa da vítima quando existe desequilíbrio entre agressor e agredido. Apesar da igualdade entre os sexos estar ressaltada na Constituição Federal, é secular a discriminação que coloca a mulher em posição de inferioridade e subordinação frente ao homem. Ao representar contra o agressor, a mulher vítima temia sofrer ainda mais agressões, pois ao retornar ao lar via-se obrigada, literalmente, a dormir com o inimigo.

Injustificável a falta de consciência do legislador de que a violência intrafamiliar merecia um tratamento diferenciado. Infelizmente, esse tipo de violência continuou acumulando estatísticas; afinal, a questão continuava sob o pálio dos Juizados Especiais Criminais e sob a incidência dos institutos despenalizadores da Lei nº 9.099/95.

Ademais, como ressalta Stela Cavalcanti, a restrição conceitual das infrações de menor potencial ofensivo aos crimes em que a pena cominada não exceda a dois anos, deixa de considerar a gravidade objetiva do dano em várias hipóteses típicas, a exemplo da violência psicológica sofrida pela mulher. Veja o que diz a autora [09]:

Exemplificando, a mulher poderia ser espancada, torturada e ficar à beira da morte, mas, se recuperasse a saúde no prazo de 30 dias e não apresentasse seqüelas, o delito era considerado de menor potencial ofensivo com pena que variava de seis meses a um ano de reclusão, sujeito ao rito dos juizados especiais, pena restritiva de direito ou multa, facilmente convertido em prestação de serviços à comunidade ou pagamento de cestas básicas. O que era incoerente e verdadeiro absurdo. Ademais, as seqüelas psicológicas que essas agressões acarretavam às vítimas não eram observadas na aplicação da pena, bem como o fato de as agressões serem, geralmente, habituais.

Vê-se logo que os Juizados Especiais criminais, criados para desafogar a justiça brasileira e evitar a estigmatização do sistema penal, não foram pensados a partir das relações de gênero, não obstante venham julgando, em sua maioria, conflitos conjugais que envolvam violência contra a mulher, levando à sua completa banalização, à inobservância da participação da vítima e dos seus direitos e ao arquivamento maciço dos autos operados pela renúncia do direito da vítima de representar criminalmente. Dessa forma, as palavras da jurista Stela Cavalcanti [10]:

A proposta despenalizante dos juizados especiais criminais é positiva na perspectiva do autor do fato e negativa na perspectiva da vítima da violência doméstica. Significa dizer que esta lei é imprópria para o julgamento da violência conjugal. O desconhecimento e o despreparo de alguns juízes que atuam nos juizados especiais sobre o fenômeno da violência doméstica têm contribuído para uma postura banalizante dessa violência. As inúmeras idas e vindas (tanto nas delegacias, como nos juizados), as várias tentativas de reconciliação, de rompimentos e reatamentos, a impunidade são parte integrante do chamado ciclo da violência doméstica. Conhecer melhor o funcionamento desse ciclo e as seqüelas que a violência provoca é absolutamente necessário para uma melhor atividade jurisdicional.

Diante dessa conceituação dos delitos de menor potencial ofensivo, baseada unicamente na pena aplicada ao delito, a lei dos juizados criminais não reconhecia todas as implicações dessa forma específica de violência, como o grau de comprometimento emocional a que as mulheres submetiam-se por se tratar de comportamento reiterado por parte de seus agressores, o medo paralisante que as impedia de romper a situação violenta frente ausência de medidas que a protegessem após a denunciação da agressão sofrida, entre outras violações de direitos humanos que geralmente acompanham a violência doméstica e que fugiam à incidência da lei.

Tendo-se em vista que o modelo dos Juizados Especiais Criminais, não tanto por suas regras, mas principalmente por sua operacionalização, mostrou-se ineficiente e inadequado para o enfrentamento de um problema que, lamentavelmente, ocorre com freqüência, alguma coisa precisava ser feita. Imperiosa se fazia uma autêntica ação afirmativa em favor da mulher vítima de violência doméstica a desafiar a igualdade formal de gênero na busca de restabelecer entre eles a igualdade material.

A inadequação da lei nº. 9.099/95 era justificativa suficiente para que se começasse a pensar em uma legislação específica que retirasse a violência doméstica do rol dos crimes de menor potencial ofensivo em conformidade com as necessidades das vítimas. Todavia, os avanços legais ainda pareciam tímidos.

Com o advento da lei nº 10.455/02 foi acrescido um parágrafo único ao artigo 69 da lei dos juizados criminais criando uma medida cautelar, de natureza penal, ao permitir que o juiz decretasse o afastamento do agressor do lar conjugal nas hipóteses de violência doméstica, e posteriormente, a lei nº 10.886/04, acrescentou um subtipo à lesão corporal decorrente de violência doméstica, aumentando a pena mínima de três para seis meses de detenção. Veja as pequenas alterações legislativas:

Art. 69, § único da Lei nº 9.099/95: "Ao autor do fato que, após a lavratura do termo, for imediatamente encaminhado ao juizado ou assumir o compromisso de a ele comparecer, não se imporá prisão em flagrante, nem se exigirá fiança. Em caso de violência doméstica, o juiz poderá determinar, como medida de cautela, seu afastamento do lar, domicílio ou local de convivência familiar com a vítima". [11]

Art. 129, § 9 do CP: Se a lesão for praticada contra ascendente, descendente, irmão, cônjuge ou companheiro, ou com quem conviva ou tenha convivido, ou, ainda, prevalecendo-se o agente das relações domésticas, de coabitação ou de hostilidade: Pena - detenção, de 6 (seis) meses a 1 (um) ano. [12]

Não obstante tais alterações, nenhuma das mudanças empolgou, como assevera Marcelo Lessa Bastos [13], em sua obra "Violência doméstica e familiar contra a mulher – Lei Maria da Penha", ao constatar que a violência doméstica continuava a acumular maiores estatísticas já que submetidas ao trâmite do Juizado Especial Criminal e sob a incidência dos institutos despenalizadores da lei.

Diante destas estatísticas alarmantes, em boa hora entrou em vigor, em 22 de setembro de 2006, a Lei nº 11.340, de 07.08.2006, com o nome de Maria da Penha, que institui mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, como ensina Stela Cavalcanti [14], ao entender a violência doméstica como um fenômeno que merece tratamento diferenciado:

A recente Lei nº 11.340/06 que retirou a competência dos juizados especiais para processar e julgar os delitos de violência doméstica veio ao encontro dos anseios populares, bem como faz cumprir os compromissos internacionais assumidos pelo Estado Brasileiro em diversas convenções e pactos de direitos humanos, criando mecanismos eficientes de proteção das mulheres contra a violência doméstica e familiar.

Como dito, durante pouco mais de dez anos, até quando entrou em vigor a Lei Maria da Penha, os Juizados Especiais Criminais eram as instâncias competentes para receber maior parte dos casos de violência doméstica, no caso dos delitos enquadrados entre os puníveis com pena máxima de dois anos de detenção e possibilidade de comutação desta pena pelo pagamento de multa ou em cestas básicas, não previa a prisão preventiva para os crimes de violência doméstica, e também não utilizava a prisão em flagrante do agressor.

Ao aumentar esta pena para três anos, a Lei Maria da Penha retira dos Juizados Especiais a competência para julgar os crimes de violência doméstica e determina a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher que, enquanto não existirem, deverão ser substituídos pelas varas criminais, em razão do que dispõe o art. 14 desta lei [15], in verbis:

Os Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, órgãos da Justiça Ordinária com competência cível e criminal, poderão ser criados pela União, no Distrito Federal e nos Territórios, e pelos estados, para o processo, o julgamento e a execução das causas decorrentes da prática de violência doméstica e familiar contra a mulher.

É que, se por um lado, a Lei 9.099/95 foi inovadora nas medidas despenalizantes, não se mostrou capaz de responder satisfatoriamente aos casos de violência conjugal. Deste modo, a partir da vigência da lei nº 11.340/06, os crimes de violência doméstica física, psicológica, sexual, patrimonial ou moral passam a ser submetidos ao procedimento comum em varas especializadas ou juizados de violência doméstica supra mencionado.

A conciliação, a transação penal e a suspensão condicional do processo também passam a não mais serem possíveis para tais crimes, tendo em vista que a lei vedou terminantemente a utilização da lei 9.099/95 para esses delitos. Os motivos que levaram o legislador ordinário a retirar da competência dos juizados especiais a violência doméstica são inúmeros, como salienta a jurista Stela Valéria [16]:

O grande número de arquivamentos dos procedimentos demonstrava, por si só, que a conciliação não era realizada ou porque não estavam envolvidos danos patrimoniais ou porque o agressor não tinha condições econômicas de ressarcir o prejuízo. Na verdade, a conciliação que ocorria não era para o ressarcimento dos danos, mas para o arquivamento dos autos. Esse arquivamento (ou desistência da vítima) em geral, era induzido pelo magistrado ou conciliador, através da insistência feita à vítima de aceitar o compromisso (verbal e não expresso) do agressor de não mais cometer o ato violento, renunciando ao direito de representar. Em 90% dos casos, os processos eram arquivados.

Diante dos escritos da jurista, vê-se que o induzimento à renúncia do direito de representação feria expressamente o direito da vítima de ver aplicada a pena ou até mesmo, de ser o conflito resolvido conforme o seu interesse. O espírito conciliatório da lei é, na realidade, um espírito renunciatório das vítimas.

Sobre a impossibilidade da transação penal e sursis processual aos crimes de violência doméstica, continua a autora [17] a expor as razões de tal vedação:

A transação penal, medida de aplicação imediata de pena não privativa de liberdade sem os danos advindos da culpabilidade, proposta pelo Ministério Público, também era um instituto que excluía a vítima, bem como a suspensão condicional do processo, pois consideravam unicamente os interesses do autor do fato. A mulher não podia opinar sobre o tipo de pena a ser aplicada ao agressor ou sobre a conveniência da medida.

Como se percebe, a aplicação da pena de multa ou de prestação de serviços à comunidade não surtia o efeito desejado nos casos de violência doméstica. Em geral, como ressalta a jurista, as vítimas saíam frustradas da audiência porque não lhes era dada a oportunidade de opinar e, porque a pena imposta não era compatível com a gravidade do delito que chegava ao Judiciário.

Dessa forma, é importante ressaltar a origem da nomenclatura dada à Lei nº 11.340/06. Como acentua Maria Berenice Dias [18], a justificativa é dolorosa, e deveu-se à história verídica de violência doméstica sofrida pela farmacêutica Maria da Penha Maia Fernandes, em Fortaleza, no Ceará. Conta à jurista:

Maria da Penha foi mais uma das vítimas de violência doméstica deste país. Como muitas outras mulheres, ela reiteradamente denunciou as agressões que sofreu. Por duas vezes o seu marido, o professor universitário e economista M.A.H.V, tentou mata-la. Na primeira vez, em 29 de maio de 1983, simulou um assalto fazendo uso de uma espingarda. Como resultado ela ficou paraplégica. Após alguns dias, nova tentativa, buscou eletrocutá-la por meio de uma descarga elétrica enquanto ela tomava banho.

E continua:

As investigações começaram em junho de 1983, mas a denúncia só foi oferecida em setembro de 1984. Em 1991, o réu foi condenado pelo tribunal do júri a oito anos de prisão. Além de ter recorrido em liberdade, ele, um ano depois, teve seu julgamento anulado. Levado a novo julgamento em 1996, foi-lhe imposta a pena de dez anos e seis meses. Mais uma vez recorreu em liberdade e somente 19 anos e seis meses após os fatos, em 2002, é que M.A.H.V. foi preso. Cumpriu apenas dois anos de prisão.

Essa é a história de Maria da Penha. Em face da inércia da justiça, Maria da Penha escreveu um livro, "Sobrevivi, posso contar", e se uniu ao movimento de mulheres vítimas de violência doméstica. A repercussão foi de tal ordem que se formalizou uma denúncia à Comissão Internacional dos Direitos Humanos da OEA, que concluiu que o Estado Brasileiro não cumpriu o previsto no Pacto de São José da Costa Rica pelo fato de que havia se passado mais de 19 anos sem que o autor do crime de tentativa de homicídio de Maria da Penha fosse levado a julgamento; culminando na condenação do Estado Brasileiro internacionalmente em 2001, impondo-se além do pagamento de indenização no valor de 60 mil dólares em favor de Maria da Penha, na sua responsabilização por negligência e omissão em relação à violência doméstica, recomendando-se a adoção de várias medidas, dentre elas, simplificar os procedimentos judiciais penais.

Foi então que em razão da pressão internacional sofrida pelo Brasil que, finalmente, cumpriram-se as convenções e tratados do qual nosso país é signatário. A partir daí as organizações não governamentais brasileiras e estrangeiras com sede no Brasil iniciaram discussões entre si, com a finalidade de elaborar o texto da proposta de lei que incluísse políticas públicas de gênero, medidas de proteção às mulheres vítimas e punição mais rigorosa aos agressores. Todavia, a iniciativa legislativa partiu do próprio Poder Executivo. Encaminhando ao Congresso Nacional, o projeto de lei encontrou ambiente favorável para tramitar e ser aprovado.

Satisfazendo às expectativas das entidades de defesa dos Direitos das Mulheres e em cumprimento ao preceito do §8º do art. 226 da Constituição Federal e das demais convenções e pactos internacionais sobre os direitos das mulheres, finalmente, sancionou-se a lei nº 11.340/06; atendendo-se ao clamor contra a sensação de impunidade pela aplicação da lei dos Juizados Especiais Criminais aos casos de violência doméstica e familiar contra as mulheres.

Felizmente, a Lei nº 11.340/06, introduziu modificações dentro do ordenamento jurídico brasileiro, criando mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher. E nos faz pensar que dias melhores virão.

No próximo capítulo, aborda-se a questão da constitucionalidade da Lei 11.340/06, tema no qual a doutrina muito se tem discutido acerca de eventual inconstitucionalidade da então Lei Maria da Penha.

3 ASPECTOS CONSTITUCIONAIS DA LEI 11.340/06
A Constituição Federal de 1988 [19] instituiu como um dos princípios fundamentais do Estado a "dignidade da pessoa humana". A importância da dignidade da pessoa humana já emana da Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948, das Nações Unidas [20], pela qual: "Considerando que o reconhecimento da dignidade inerente a todos os membros da família humana e de seus direitos iguais e inalienáveis é o fundamento da liberdade, da justiça e da paz do mundo [...]", bem como da Convenção Americana dos Direitos Humanos Pacto de San José de Costa Rica. Trata-se a dignidade da pessoa humana de uma referência constitucional unificadora dos direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, isto é, daqueles direitos que servem de fundamento e fim da atividade pública. Destarte, pode-se afirmar que a dignidade da pessoa humana é o valor supremo da Constituição.

Importa ainda a este estudo o princípio da igualdade, no qual prescreve o caput do art. 5º da nossa Constituição Federal de 1988 [21]: "Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à igualdade, a segurança e a propriedade, [...]". Dentro da garantia de que todos são iguais, sem distinção alguma, proibindo, inclusive, diferença salarial, diferença de critérios de admissão por motivo de sexo, dispositivos que deixam clara a posição de combate à discriminação.

Assim, na lição de Silva [22], a igualdade constitui o signo da democracia e é reforçada em outras normas, como no inciso I do art. 5º, que assegura a igualdade entre homens e mulheres em direitos e obrigações.

Tanto a Constituição Federal de 1988 como as outras Constituições tratam de forma expressa tão somente a igualdade perante a lei, no sentido de que as normas devem ser elaboradas e aplicadas indistintamente a todos os indivíduos. É a denominada isonomia formal. Entretanto, tal isonomia não leva em conta a existência de grupos ditos minoritários ou hipossuficientes, que necessitam de uma proteção especial para que alcancem a igualdade não apenas normativa, mas baseada em ideais de justiça (isonomia material).

Moraes [23] afirma que o que a lei veda, são as diferenciações arbitrárias e as discriminações absurdas. Tal elemento discriminador só será válido se estiver a serviço de alguma finalidade acolhida pelo Direito, como por exemplo, na busca da igualdade de condições sociais.

As ações afirmativas são medidas imprescindíveis no Estado Democrático de Direito para fazer mais curta à espera de milhões de pessoas que almejam sentir-se parte da sociedade, fruindo da igualdade de pontos de partida. Só uma ação positiva que seja suficientemente proporcional e que não produza dano desproporcional a terceiros será constitucional e poderá implantar-se com êxito na sociedade atual.

Nesse contexto, a Lei Maria da Penha é um exemplo de ação afirmativa. Em favor da mulher vítima de violência doméstica, a desafiar a igualdade formal de gênero, na busca de restabelecer entre eles a igualdade material. Implementada no Brasil para a tutela do gênero feminino, justificável pela situação de vulnerabilidade e hiposuficiência em que se encontram as mulheres vítimas da violência doméstica e familiar.

Alguns operadores do direito têm questionado a sua constitucionalidade, tanto em seu conjunto, como em alguns de seus artigos, ao fundamento de que suas disposições violam a "isonomia" prevista no caput do art. 5º da Constituição Federal de 1988 que estabelece que: "Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza [...] [24]".

O Desembargador mineiro Fernando Starling, ao relatar conflito negativo de jurisdição a respeito desta lei, nos autos do Processo 1.0000.07.458339-4/000(1), manifestou-se especificamente sobre essa questão, com muita propriedade afastando a inconstitucionalidade da lei, com resguardo na mais moderna hermenêutica jurídica constitucional e nas apropriadas lições de Alexandre de Moraes [25]:

[...] Lado outro, constato que os dispositivos legais retromencionados não são inconstitucionais. O artigo 98, I, da Constituição Federal dispõe que a União, no Distrito Federal e nos Territórios, e os Estados criarão juizados especiais para julgar e executar as infrações penais de menor potencial ofensivo. Todavia, o artigo 22, I, do mesmo Codex estabelece que compete privativamente à União legislar sobre direito penal e processual penal. Desse modo, é possível que uma lei ordinária federal, in casu, a Lei nº 11.340/2006, determine a criação de juizados especializados para conhecer e julgar as causas decorrentes da violência doméstica e familiar, instituindo mecanismos para prevenir, punir e erradicar a violência contra a mulher.

Vale ressaltar, ainda, que a ‘Lei Maria da Penha’ se harmoniza com o princípio da igualdade, descrito no artigo 5º, caput, da Constituição Federal, uma vez que trata desigualmente os desiguais. Não se pode olvidar a fragilidade da mulher perante o homem, no que toca a sua estrutura física, colocando-a em situação de desvantagem em casos de agressões. Portanto, a violência perpetrada contra a mulher merece ser abordada com mais rigor, principalmente porque representa um grave problema social, exigindo-se uma melhor proteção do Estado e maior reprovação da conduta do agressor no ambiente familiar e doméstico.

A respeito do tratamento isonômico entre homens e mulheres, regulamentado no artigo 5º, I, da Constituição Federal, a oportuna doutrina Moraes:

‘A correta interpretação desse dispositivo torna inaceitável a utilização do discrímen sexo, sempre que o mesmo seja eleito com o propósito de desnivelar materialmente o homem da mulher; aceitando-o, porém, quando a finalidade pretendida for atenuar os desníveis. Conseqüentemente, além de tratamentos diferenciados entre homens e mulheres previstos pela própria Constituição (arts. 7º, XVIII e XIX; 40, § 1º; 143, §§ 1º e 2º; 201, § 7º), poderá a legislação infraconstitucional pretender atenuar os desníveis de tratamento em razão do sexo’ (Direito constitucional. 18. ed. São Paulo: Atlas, 2005, p. 34).

É possível haver divergências sobre a constitucionalidade da lei se a mesma incidisse sobre qualquer caso de violência contra a mulher, e não apenas a doméstica. A Lei Maria da Penha visa coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher em qualquer ação ou omissão baseada no gênero. Seria errôneo, por exemplo, aplicar a Lei Maria da Penha no caso de uma mulher que foi agredida na rua por um desconhecido (homem), uma vez que esta Lei deve ser aplicada dentro do vínculo familiar. Este caso, não se trata de infrações penais que se enquadrem no conceito de violência doméstica e familiar contra a mulher. Trata-se de crime de menor potencial ofensivo, sob os auspícios do Juizado Especial Criminal (termo circunstanciado, transações civil e penal, representação, etc).

A Lei visa à proteção das mulheres em relação aos membros da sua comunidade familiar, formada por vínculos de parentesco natural (pai, mãe, filha etc), civil (marido, sogra, padrasto ou outros), por afinidade (primo ou tio do marido, por exemplo) ou afetividade (amigo que mora na mesma casa).

Isto é, assegura maior proteção frente àqueles indivíduos que deveriam proporcionar à vítima (mulher) um mínimo de amor, respeito e dignidade, valores que devem estar presentes em qualquer entidade familiar ou de proximidade.

Ademais, no âmbito doméstico e familiar, dentre os casos de violência doméstica, é quase absoluto se tratar de violência cometida contra mulheres e crianças. É raro alguém presenciar ou noticiar um caso de violência doméstica em que a vítima era o companheiro/marido e a mulher, a agressora.

Muito se tem discutido acerca de eventual inconstitucionalidade da Lei Maria da Penha, em razão de ter como foco apenas a mulher vítima de violência doméstica.

Os que sustentam a sua inconstitucionalidade alegam que a Lei criou a desigualdade na entidade familiar, atribuindo à mulher um tratamento diferenciado, promovendo a sua proteção de forma especial em detrimento do homem, também, vítima de violência doméstica. Sobre esse argumento, Maria Berenice Dias [26] aborda bem os argumentos utilizados pelos defensores de sua inconstitucionalidade:

A alegação é que, no mesmo contexto fático, a agressão levada a efeito contra uma pessoa de um sexo ou de outro pode gerar conseqüências diversas, a partir do exemplo: na mesma oportunidade, o genitor ocasiona, no âmbito doméstico, lesões leves em um filho e uma filha. Além de haver dois juízos competentes, as ações seguiriam procedimentos distintos. A agressão contra o menino, encontra-se sob a égide do Juizado especial, fazendo jus o agressor a todos os benefícios por o delito ser considerado de pequeno potencial ofensivo. Já a agressão contra a filha constituiria delito doméstico no âmbito da Lei Maria da Penha. Assim, parece que a agressão contra alguém do sexo masculino é menos grave do que a cometida contra uma pessoa do sexo feminino.

Damásio de Jesus [27] complementa:

Em se tratando de violência doméstica contra a mulher, portanto, não se aplicariam os institutos despenalizadores da Lei nº 9.099/95. Daí a sugestão para que se troque a expressão "violência doméstica ou familiar contra a mulher" por "violência doméstica ou familiar contra a pessoa", respeitando assim o princípio da igualdade.

Um outro argumento sobre a inconstitucionalidade da lei é que se um pai, por exemplo, em uma mesma situação, agride a esposa e o filho, causando lesões corporais leves em ambos, o tratamento dado ao agressor seria mais severo em relação à esposa (amparada pela Lei Maria da Penha).

E em relação ao filho, a persecução penal seguiria o procedimento da Lei 9.099/95 (Lei dos Juizados Especiais). Porém, não é assim que acontece, estando uma das vítimas protegidas pela Lei 11.340/06, a competência é deslocada para o âmbito do Juizado de Violência Doméstica contra a Mulher [28].

Pelo exposto, a Lei Maria da Penha não é inconstitucional. Muito pelo contrário, ela necessita ser aplicada em todos os seus termos, pois só assim será dado um passo significativo na luta contra a violência doméstica no Brasil.

Deve-se ainda, cobrar dos Estados à criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar ou de Varas especializadas, a fim de oferecer atendimento humanizado às vítimas e tratamento aos agressores, rompendo, assim, com o nefasto ciclo da violência.

O próximo capítulo irá tratar das principais inovações advindas com a promulgação da Lei 11.340/06, que trouxe instrumentos importantes perante o problema da violência doméstica contra a mulher.

4 AS PRINCIPAIS INOVAÇÕES TRAZIDAS PELA LEI MARIA DA PENHA
Sobre os grandes avanços da nova lei, Maria Berenice Dias [29], ao dispor sobre o assunto, faz um apanhado das principais modificações no procedimento. Segundo a autora:

Os avanços da nova lei são muito significativos. Devolvida à autoridade policial a prerrogativa investigatória, cabe-lhe instalar o inquérito. A vítima estará sempre acompanhada de advogado (art. 27), tanto na fase policial como na judicial, sendo-lhe garantido o acesso aos serviços da Defensoria Pública e da assistência Judiciária Gratuita (art. 28). Não pode ser ela portadora da notificação ou da intimação do agressor (art. 21, § único). (Grifo nosso)

E continua, ao dissertar, especialmente, sobre as novas medidas de proteção contra as mulheres, antes inexistentes. Veja:

Também deve a vítima ser pessoalmente cientificada, quando o agressor for preso ou liberado da prisão, sem prejuízo da intimação de seu procurador constituído ou defensor (art. 21). Mas, deve o juiz adotar medidas que façam cessar a violência, por exemplo: determinar o afastamento do agressor do lar; impedi-lo que se aproxime da casa; vedar o seu contato com a família (art. 22). Também tem o dever de encaminhar a mulher e os filhos a abrigos seguros, garantindo-lhe a mantença do vínculo de emprego (art. 9º, II). Além disso, pode decretar a separação de corpos, fixar alimentos, bem como adotar medidas outras como suspender procuração outorgada ao agressor a anular a venda de bens comuns (art. 24). A Lei proíbe a aplicação de pena pecuniária, multa ou a entrega de cesta básica (art. 17) e permite a prisão preventiva do ofensor (art. 20). O último dispositivo da Lei é dos mais salutares, ao permitir que o juiz determine o comparecimento obrigatório do agressor a programas de recuperação e reeducação (art. 45). (Grifos nossos)

Diante o exposto, reconhece-se que o esforço da lei é propiciar uma mudança de comportamento naquele que pratica o crime, fazendo-o entender o caráter criminoso do seu agir. A adoção destes mecanismos de proteção que colocam a mulher a salvo do seu agressor, é também um mecanismo de que dispôs a lei para dar uma maior efetividade à nova legislação de proteção da mulher, a então Lei Maria da Penha.

Merece ainda destaque o artigo 5º da lei 11.340/06, que apresenta, pela primeira vez no Brasil, uma conceituação jurídica para o problema da violência doméstica e familiar, ao considerar como tal, qualquer ação ou conduta que cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual, psicológico e dano moral ou patrimonial (inovações da lei) quando praticadas no âmbito das relações domésticas ou familiares. É que anteriormente à lei Maria da Penha, apenas a sociologia e a psicologia tinham conceitos sobre o que enfim poderia ser considerado violência contra a mulher; de forma, que hoje, pós lei Maria da Penha, essa nova conceituação ampliou as formas de violação dos direitos humanos das mulheres.

Sobre essa nova conceituação, pertinente o comentário de Stela Valéria Cavalcanti [30]:

Esta inclusão constitui um grande avanço para a proteção dos direitos das mulheres, em face da ampliação da definição de violência doméstica contra a mulher contida em seu texto, bem como pelo reconhecimento explícito da violência doméstica como violação dos direitos humanos. Anteriormente à edição da lei "Maria da Penha" só era considerada violência doméstica a lesão corporal que ocasionasse dano físico ou à saúde da mulher. Após a entrada em vigor desta nova lei qualquer ação ou omissão baseada no gênero que cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial à mulher é considerada violência doméstica.

Não obstante o grande avanço, Marcelo Lessa alerta sobre o papel dos juízes e operadores do direito quando da interpretação de tais dispositivos legais, que não obstante inovadores, são vagos e abertos, podendo ocasionar uma banalização do instituto. Veja o que diz o autor [31]:

Caberá ao Juiz, diante do caso concreto, podar eventuais excessos interpretativos, de modo a não permitir, por exemplo, que se queira aplicar a Lei ao marido que simplesmente não cumpra regularmente com suas obrigações sexuais para com sua esposa, rejeitando, se for o caso, por atipicidade material, eventual queixa que, neste sentido, por absurdo, imagine tal comportamento como capaz de configurar crime de injúria. A definição conceitual do que seja violência doméstica e familiar contra a mulher e a prudência que se espera dos operadores do Direito, em especial Juízes e Promotores, no mister de restringir sua incidência diante de normas tão abertas, é vital em se levando em conta que qualquer crime previsto no Código Penal ou em Leis Especiais, que tutelem as integridades física, psicológica, sexual, patrimonial ou moral da mulher, podem, em tese, estar sujeitos às prescrições da Lei "Maria da Penha". Neste sentido, são alvos de preocupação específica os crimes que, pela pena, conformar-se-iam na definição de infração penal de menor potencial ofensivo, por conta, principalmente, no caso de atraírem a aplicação desta Lei, do afastamento da incidência dos institutos despenalizadores da Lei nº 9.099/95, das limitações à aplicação de determinadas penas restritivas de direitos e da previsão excepcional de prisão preventiva. (Grifos nossos).

Outro aspecto a ser destacado acerca da nova Lei é a questão da "renúncia" à representação, de que trata o art. 16 [32], in verbis:

Art. 16: Nas ações penais públicas condicionadas à representação da ofendida de que trata esta Lei, só será admitida a renúncia à representação perante o juiz, em audiência especialmente designada com tal finalidade, antes do recebimento da denúncia e ouvido o Ministério Público.

Em primeiro lugar, como alerta Marcelo Lessa [33], cumpre lembrar que o dispositivo em comento não está endereçado à lesão corporal fruto de violência doméstica e familiar contra a mulher porque, como já dito acima, neste caso, por força do art. 41 da Lei "Maria da Penha", que afastou a incidência da Lei nº 9.099/95 em casos tais, a ação penal voltou a ser pública incondicionada. Resta, portanto, cogitar do dispositivo para outros crimes, como a ameaça, estupro e atentado violento ao pudor com vítima pobre, etc, se praticados no âmbito da violência doméstica e familiar contra a mulher.

Portanto, não é possível ao juiz ou ao promotor de justiça recusar a renúncia da vítima. Na falta de autorização dela, não pode o promotor denunciar e nem o juiz aceitar o início do processo criminal, por ausência de condição de procedibilidade para o exercício da ação penal (art. 43, III, CPP).

De fato, no sistema processual criminal brasileiro, a representação é faculdade exclusiva da vítima, somente ela pode autorizar o Estado a agir. Sem seu consentimento, não haverá processo, uma vez que o Estado não pode agir por ela. Se assim fosse, qual o sentido de exigir autorização das vítimas para o processamento de algumas infrações penais?

A discriminação legal das ações penais é coerente com esse sistema, uma vez que a regra é a atuação obrigatória do Ministério Público, independentemente de autorização de eventuais vítimas. Num Estado Democrático de Direito, a garantia dos direitos humanos e a repressão à criminalidade é encargo estatal, quando presente o interesse público em ver devidamente apurada uma infração penal, que certamente não afeta somente a pessoa vitimada, mas toda a comunidade, interessada em que não se deixe impune o autor.

A exigência da representação é reservada a excepcionalíssimas infrações - geralmente de pouca gravidade ou em que o dano ao bem jurídico depende de constatação subjetiva, cuja repercussão processual (e pública) deva atender à conveniência exclusiva da vítima. É o caso dos crimes cometidos com a palavra, como os de ameaça ou aqueles contra a honra, em que algumas vítimas podem sentir-se ameaçadas ou humilhadas.

Em segundo lugar, cumpre destacar a completa ausência de técnica legislativa, como revela a leitura do art. 16 da Lei que utilizou de forma errônea o termo "renúncia", quando o correto seria o instituto da "retratação", uma vez que, tecnicamente, se dando a renúncia antes do exercício do direito de representação, não se poderia renunciar a ela antes do recebimento da denúncia se esta pressupõe que a representação tivesse sido oferecida para deflagrar a ação penal.

Do contrário, a se considerar como sendo mesmo renúncia o instituto versado no art. 16, estar-se-ia a criar uma espécie de "representação compulsória", como bem definiu Marcelo Lessa, na obra supramencionada, uma vez que, ocorrido o crime, se a vítima não manifestasse o desejo de exercer o direito de representação, o Delegado seria obrigado a endereçar o expediente ao Juiz, para que fosse designada audiência especial com a finalidade de colher sua renúncia expressa, o que iria contrariar, com obviedade, o espírito da ação penal de iniciativa pública condicionada, que é deixar a vítima livre para decidir se quer ou não representar.

Enfim, o que a Lei quis dizer é que a representação é retratável somente em juízo e até o recebimento da denúncia, com o intuito de evitar que a vítima fosse de algum modo pressionada, na Delegacia de Polícia ou em outras instâncias (serviços sociais, família, trabalho), a retirar a "queixa" contra o agressor, como ocorria, constantemente, antes da vigência desta lei.

Diante o exposto, pode-se afirmar que as inovações trazidas pela Lei 11.340 foram:

No processo judicial: o juiz poderá conceder, no prazo de 48h medidas protetivas de urgência (suspensão do porte de armas do agressor, afastamento do agressor do lar, distanciamento da vítima dentre outras), dependendo da situação; o juiz do juizado de violência doméstica e familiar contra a mulher terá competência para apreciar o crime e os casos que envolverem questões de família (pensão, separação, guarda de filhos, etc.); o Ministério Público apresentará denúncia ao juiz e poderá propor penas de 3 meses a 3 anos de detenção, cabendo ao juiz a decisão e a sentença final.

Na questão da autoridade policial: possui um capítulo específico para o atendimento pela autoridade policial para os casos de violência doméstica contra a mulher; permite à autoridade policial prender o agressor em flagrante sempre que houver qualquer das formas de violência doméstica contra a mulher; registra o boletim de ocorrência e instaura o inquérito policial (composto pelos depoimentos da vítima, do agressor, das testemunhas e de provas documentais e periciais); remete o inquérito policial ao Ministério Público; pode requerer ao juiz, em 48h, que sejam concedidas diversas medidas protetivas de urgência para a mulher em situação de violência; solicita ao juiz a decretação da prisão preventiva com base na nova lei que altera o Código de Processo Penal.

A Lei, antes e agora: não existia lei específica sobre a violência doméstica contra a mulher; hoje, tipifica e define a violência doméstica e familiar contra a mulher; não tratava das relações de pessoas do mesmo sexo; agora, determina que a violência doméstica contra a mulher independe de orientação sexual; aplicava-se a lei dos juizados especiais criminais (lei 9.099/95) para os casos de violência doméstica, estes juizados julgam os crimes com pena de até dois anos (menor potencial ofensivo); após a lei, retirou dos juizados especiais criminais (Lei nº 9.099/95) a competência para julgar os crimes de violência doméstica contra a mulher; permitia a aplicação de penas pecuniárias como as de cestas básicas e multa. Agora, proíbe a aplicação destas penas; a mulher podia desistir da denúncia na delegacia. Agora, a mulher somente poderá renunciar perante o juiz; a lei não utilizava a prisão em flagrante do agressor. Após o advento da lei, possibilita a prisão em flagrante; não previa a prisão preventiva para crimes de violência doméstica, com a nova lei que alterou o código de processo penal, passou a possibilitar ao juiz a decretação da prisão preventiva quando houver riscos à integridade física ou psicológica da mulher; a mulher vítima de violência doméstica, em geral, ia desacompanhada de advogado ou defensor público nas audiências, após a nova lei, a mulher deverá estar acompanhada de advogado ou defensor em todos os atos processuais; a pena para crime de violência doméstica era de 6 meses a 1 ano, após a promulgação da lei, a pena do crime de violência doméstica passou a ser de 3 meses a 3 anos; a violência doméstica contra mulher portadora de deficiência não aumentava a pena, agora, se a violência doméstica for cometida contra mulher portadora de deficiência, a pena será aumentada em 1/3.

Diante, pois, dessas inovações e da análise minuciosa dos artigos da lei, percebe-se que a Lei Maria da Penha é uma lei que possui não só o cunho repressivo como também educativo, pois traz em seu texto várias medidas de proteção, assistência às vítimas, diretrizes de atuação dos órgãos da polícia judiciária, do próprio judiciário e propostas de implementação de políticas públicas, cuja finalidade maior é promover ampla proteção e salvaguardar os direitos humanos das vítimas, por meio de uma maior atenção do Estado.

A Lei apresenta uma estrutura adequada e específica para atender a complexidade do fenômeno da violência doméstica, representando um marco indelével na história de proteção legal conferida às mulheres.

Antes do advento da Lei Maria da Penha, somente a lesão corporal recebia uma pena mais severa quando praticada em decorrência de relações domésticas (CP, art. 129, § 9º). As demais formas de violência perpetradas em decorrência das relações familiares geravam no máximo um agravamento de pena (CP, art. 61, II, letra "f").

A partir da vigência da nova lei, a violência doméstica não guarda correspondência com qualquer tipo penal. Primeiro é identificado o agir que configura violência doméstica ou familiar contra a mulher (art. 5º): qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial. Depois são definidos os espaços onde o agir configura violência doméstica (art. 5º, incisos I, II e III): no âmbito da unidade doméstica, da família e em qualquer relação de afeto. Finalmente, de modo didático e bastante minucioso, são descritas as condutas que configuram a violência física, psicológica, sexual, patrimonial e moral.

As formas de violência elencadas deixam evidente a ausência de conteúdo exclusivamente criminal no agir do agressor. A simples leitura das hipóteses previstas em lei mostra que nem todas as ações que configuram violência doméstica constituem delitos. Além do mais, as ações descritas, para configurarem violência doméstica, precisam ser perpetradas no âmbito da unidade doméstica ou familiar ou em qualquer relação íntima de afeto.

Assim, é possível afirmar que a Lei Maria da Penha considera violência doméstica as ações que descreve (art. 7º) quando levadas a efeito no âmbito das relações familiares ou afetivas (art. 5º). Estas condutas, no entanto, mesmo que sejam reconhecidas como violência doméstica, nem por isso configuram crimes que desencadeiam uma ação penal.

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