terça-feira, 26 de maio de 2009

Relatório Anual do Centro de Justiça Global



São Paulo, maio de 2004

Direitos Humanos no Brasil 2003
Relatório Anual do Centro de Justiça Global
Organização e Edição: Sandra Carvalho
Revisão: Andressa Caldas, Carlos Eduardo Gaio, Diogo Azevedo Lyra.
Colaboração Especial: Sérgio Kalili
Equipe de Pesquisa: Adenilson Duarte, Adriana Carvalho, Alex Toledo, Andressa Caldas, Carlos Eduardo Gaio, Carlos Pampín
Garcia, Diogo Azevedo Lyra, Emily Schaffer, Gustavo Goulart Ierardi, Ivanilda Figueiredo Lyra, James Cavallaro, Juliana
Neves Barros, Lincoln Ellis, Mahine Dorea, Marcelo Freixo, Marie-Eve Sylvestre, Nadejda Marques, Paula Spieler, Renata
Verônica Cortes de Lira, Sandra Carvalho, Sven Hilbig, Tatiana Lichtig.
Tradução: Carlos Eduardo Gaio, David Flechner, Emily Schaffer, James Cavallaro, João Gustavo Velloso, Lincoln Ellis, Mahine
Dorea, Marie-Eve Sylvestre.
Capa: Javier Garcia Barrera
Projeto Gráfico e diagramação: Sandra Luiz Alves
Fotolito e Impressão: Raiz


Atenção especial deve ser dada aos defensores de direitos humanos que atuam tanto nas áreas rurais quanto nas áreas urbanas.
No Brasil, ativistas são mortos, torturados, “desaparecem”, sofrem falsas acusações criminais.
Algumas vezes, seus familiares e amigos se tornam alvos.
Grande parte dos assassinatos, dos atos de violência e intimidações cometidas contra eles são praticados por policiais e pistoleiros, integrantes de grupos de extermínio.
A falta de comprometimento oficial no sentido de lidar com a vulnerabilidade dos
defensores é evidente na ausência de investigação das ameaças ou dos assassinatos,
bem como na falta de proteção dos defensores ameaçados. O Estado não reage nem
mesmo quando a morte é anunciada. O resultado desse padrão de respostas ineficientes
do governo é o medo e a intimidação daqueles que levantam suas vozes contra os
abusos cometidos por poderosos.
Esse descaso do Estado resultou, entre tantos outros,no assassinato do juiz Alexandre Martins Filho, no dia 25 de março de 2003, em Vila Velha, no Espírito Santo.

Aqui o preconceito é tanto que mesmo quando a violência ocorre entre cidadãos das
classes altas, a família e os amigos tentam abafar ou desvincular qualquer relação entre crime e orientação sexual. Autoridades e a polícia fazem pouco ou nada para encontrar os culpados.
Tamanha escassez na apuração e investigação de ocorrências leva a uma subestimação no registro.
Os dados e estatísticas disponíveis baseiam-se quase que exclusivamente em notícias publicadas pela imprensa ou dados de serviços de disquedenúncia.
Homossexuais e bissexuais sofrem diversos tipos de violência, a começar pela própria família que em muitos casos não aceita sua orientação sexual.
São comuns ainda crimes de extorsão, roubo e furto.
O chamado crime de ódio é outra modalidade bastante comum, tal qual a ação de grupos
neonazistas, a exemplo do assassinato do adestrador de cães Edson Neris, em 2000,
por skinheads em São Paulo.

Pesquisa realizada pelo Centro de Estudos de Segurança e Cidadania da Universidade
Cândido Mendes no Rio de Janeiro, sob a coordenação da Profª Silvia Ramos, com base nos primeiros 500 casos atendidos pelo Disque Denuncia Homossexual no Rio de Janeiro (DDH), apontou que uma fatia importante da vitimização homossexual concentra-se em agressões que podem ser classificadas como “crimes de ódio” , evidenciando reconceito e a intolerância a que estão submetidos os homossexuais.
A pesquisa classificou os crimes denunciados em três grandes modalidades: a) quase um terço das violências comunicadas (29,8%)ocorreram na esfera da casa ou da vizinhança, indicando que o agressor é alguém da família ou da vizinhança. Nesse tipo de casos identificou-se uma variedade de criminalidade interativa e sem fins lucrativos, como ameaças de familiares do(a)parceiro(a), pais que espancam filhos adolescentes,
conflitos conjugais e domésticos, problemas de herança e brigas de vizinhança; b) a segunda esfera de criminalidade homofóbica identificada foi aquela com fins de lucro, em que o homossexual do sexo masculino é vítima de criminosos profissionais, muitas vezes organizados em grupos e freqüentemente usando a identidade de policiais.
Os crimes mais praticados são extorsões (10,3%), assalto ou roubo (6,6%) ou “Boa Noite Cinderela” (5,4%); c) por último, uma fatia importante da vitimização homossexual concentra-se em agressões que podem ser classificadas como “crimes de
ódio”. Estes vão desde práticas de discriminação (20,2%) em estabelecimentos comerciais,na escola ou no trabalho (como não permitir o ingresso, prestar mau atendimento ou demitir) até agressões físicas (18,7%) e, na ponta da vitimização letal, assassinatos (6,3%). A importância de situar essas violências como crimes de ódio está em compreender a homofobia como uma variante das formas de intolerância (de gênero, étnica, etária, religiosa, de classe etc.).

Uma outra pesquisa, realizada em parceria pelo Centro de Estudos de Segurança e Cidadania (Cesec) da Universidade Cândido Mendes, pelo Grupo Arco Íris de Conscientização Homossexual e pelo Instituto de Medicina Social da Universidade dos
Estado do Rio de Janeiro, com os participantes da 8ª Parada do Orgulho GLBT em 2003, confirma que os crimes cometidos contra homossexuais se combinam com discriminações,
ofensas e ameaças.
60% dos entrevistados declararam já ter sido alguma vez vítima de algum tipo de agressão motivada pela orientação sexual. Entre os homens homossexuais entrevistados, 16,6% disseram ter sofrido agressão física associada à homossexualidade, sendo que os mais vitimados foram os travestis e transexuais 42,3%, seguidos pelos homossexuais masculinos (19,5%).
Em relação às agressões verbais relacionadas à homossexualidade, 56,3% dos entrevistados afirmaram já terem sido vítimas.
Entre as orientações sexuais os transgêneros são mais vitimados (65,4%). O que chamou
a atenção dos pesquisadores nessa categoria, é a prevalência de agressões por palavras em todas as categorias (homossexuais masculinos e femininos, transgêneros,
bissexuais; travestis), indicando o grau ainda elevado de impunidade para manifestações verbais de homofobia e a inexistência de sanções criminais para as ofensas relacionadas a homossexualidade, geralmente consideradas como piadas de mau gosto.
Em relação ao chamado “boa-noite Cinderela”, 5,2% dos entrevistados declararam já ter sido vítimas. Chama a atenção que as vítimas desse crime foram os gays e os bissexuais, não havendo relatos entre as lésbicas e os transgêneros.

A pesquisa com os participantes da Parada GBLT/Rio 2003 apontou a vulnerabilidade dos gays, lésbicas, transexuais e travestis brasileiros frente à violência e a discriminação:
“A experiência de ser socialmente discriminado parece quase instituinte das identidades homossexuais, principalmente entre os(as) transgêneros, uma vez que mais da metade de nossa amostra relata ter sido vítima de diferentes tipos de agressões, sobretudo de agressões verbais de discriminação em espaços públicos, no trabalho,
na escola, etc., devido a sua orientação ou identidade sexual”.

Em 17 de abril de 2003, o Brasil apresentou durante 59ª Sessão da Comissão de
Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas a “Resolução sobre Direitos Humanos e Orientação Sexual”, que afirma a universalidade dos Direitos Humanos, bem como o princípio básico de que os GLBTs são titulares dos mesmos direitos humanos que os demais indivíduos tem protegidos, representando um importante avanço em torno da temática em âmbito mundial.

Os pontos de destaque da resolução são os seguintes:
“Reafirmando que a Declaração Universal dos Direitos Humanos afirma o princípio
de inadmissibilidade de discriminação e proclama que todos os seres humanos nascem
livres e iguais em dignidade e direitos e que a qualquer um se aplicam estes direitos
sem distinção de qualquer natureza (...) Expressa profunda preocupação mediante as violações de direitos humanos que ocorrem no mundo contra pessoas com base na sua orientação sexual (...) Solicita que o Alto Comissariado das Nações Unidas para
Direitos Humanos preste a devida atenção a violações de direitos humanos com base
em orientação sexual”.

A proposta brasileira foi alvo de acirradas polêmicas e os seus opositores tentaram
impedir que fosse debatida e submetida à votação. Todavia, com o apoio de 22 países,
a apreciação do documento foi adiada para a 60ª Sessão da Comissão de Direitos Humanos em 2004.
A repercussão do debate na ONU sobre a “Resolução sobre Direitos Humanos e
Orientação Sexual” também desencadeou uma aguerrida mobilização mundial de apoio
à proposta brasileira.
Em dezembro de 2003, foi realizada no Rio de Janeiro, com a presença de ONGs de 18 países e cerca de 36 participantes, a Consulta “Construindo uma Estratégia Internacional sobre Orientação Sexual: a Comissão de Direitos Humanos da ONU e Futuros Horizontes”.
A principal decisão desta Consulta foi agilizar o processo de sensibilização em âmbito mundial para a pertinência, importância e necessidade de vigorosas
manifestações de apoio à resolução brasileira. Um dos resultados da Consulta foi
a criação do Comitê Brasileiro de Apoio à Resolução sobre Direitos Humanos e Orientação Sexual, que conta com o suporte técnico da Associação Brasileira Interdisciplinar de Aids (ABIA), tendo na coordenação as organizações: Grupo Antra (Associação Brasileira de Trasngêneros), Dignidade, Grupo Arco Íris, Instituto Édson Néris, Movimento D’Ellas, Nuances e Rede Feminista de Saúde, além da participação do Conselho Nacional de Combate à Discriminação, Liga Brasileira de Lésbicas e ILGA-Brasil (International Lesbian Gays Association).
O Comitê Brasileiro em parceria com outras ONGs de direitos humanos realizou uma ampla campanha tentando envolver um número expressivo de manifestações e criar uma pressão nacional e internacional de apoio à apresentação da Resolução pelo Brasil.
Entre as diversas iniciativas realizadas, destacamos o envio pelo Centro de Justiça
Global e pela Conectas, de cartas de apoio ao projeto de resolução brasileira para todas as representações diplomáticas estrangeiras no Brasil.
Apesar de toda a mobilização, em 2004, durante a reunião da Comissão de Direitos
Humanos da ONU, o Brasil mais uma vez resolveu adiar a apresentação da resolução
alegando não contar com apoio suficiente de países para que a mesma fosse aprovada.
O sistema de justiça criminal deve estar apto para apurar e punir violações de direitos humanos contra gays, lésbicas, bissexuais e transgêneros.
Aprovação da Lei que reconhece a União Civil entre parceiros do mesmo sexo pelo Congresso Nacional.Implementação efetiva das medidas sobre orientação sexual (114 e 118) do Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH II).

É importante que as organizações não governamentais de direitos humanos que trabalham
com mecanismos e tratados internacionais criem precedentes na jurisprudência
internacional, no sentido de reconhecer e garantir os direitos de gays, lésbicas,
bissexuais e transgêneros. Respeito e cumprimento do prazo e recomendações da Comissão e da Corte Interamericanas.
Infelizmente, a participação do Brasil no sistema interamericano de direitos humanos tem sido limitada e irregular. Solicita-se que o governo brasileiro respeite todos os prazos determinados pela Comissão e que implemente suas recomendações.
Em particular, nós instamos o governo a prestar particular atenção ao cumprimento das medidas cautelares da Comissão, visto sua natureza urgente e preventiva.

Apresentação pelo Estado brasileiro da
“Resolução sobre Direitos Humanos e Orientação
Sexual”, durante a 61ª sessão da
Comissão de Direitos Humanos da Organização
das Nações Unidas, em 2005.

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